Era um jogo de torcida única no campo do adversário, o Salão Oval, que, apesar de um tapete perfeito, era uma arapuca, uma casa de caboclo.

Mal se ouviu o apito inicial, numa ação treinada durante toda a semana, Brian Gleen na função de primeiro volante do time cenoura já deu uma entrada por trás no avante ucraniano: “Why don’t you wear a suit?”, cobrando a informalidade do rapaz.

Sequer houve um cartão amarelo.

A partir daí o time cenoura caiu em cima não deixando a esquadra áurea celeste sequer respirar. Foi um massacre, com dedos na cara, gritos e ameaças.

Esse barraco me trouxe à reflexão o fato de que nem me lembro mais quando foi a última vez que botei um terno. Ainda mais, não tenho sequer um terno. Doei os poucos que tinha.

São já trinta e cinco anos de transição de carioca para mineiro e as minhas últimas lembranças de engravatado são ainda no Rio, usando a tal indumentária europeia com trinta e cinco graus na sombra. Algo totalmente fora de propósito. Para o Rio os costumes deveriam ser australianos, bermuda e camisa de algodão caqui.

Nesses mesmos trinta e cinco anos pago minhas contas a partir de projetos da minha pequena consultoria, sem nunca ter sido necessário botar um terno para impressionar qualquer cliente.

Durante um tempo adotei a linha calça de sarja, bege ou preta, e aquelas camisas de algodão da Dudalina de diversas padronagens. No inverno entravam os moletons, ainda era o tempo dos mocassins e assim ficava completo o visual.

Mais a frente, substituí definitivamente as calças pelo jeans, o mocassim pelo sapatenis e logo depois, as camisas de abotoar por camisetas. Camisetas pretas, “Super Cotton Hering”. No momento tenho umas quinze.

Hoje em raríssimas ocasiões lanço mão de camisas de abotoar, todas pretas.

Como diz a minha esposa, no dia da lavadeira, “quem chegar vai pensar que é casa de bruxo!”

Esse visual já é conhecido no mercado e é normal mesmo quando chego num novo cliente a exclamação: “É verdade, ele veio de camiseta preta!”.

Para esse look existem várias explicações, versões e verdades.

Criando um certo marketing, já foi questionada uma homenagem a Steve Jobs, fato que nunca afirmei ou neguei. Fica o mistério no ar.

Uma segunda versão, que eu mesmo criei e faz sucesso, me atribui a fama de “tarja preta”, garantindo tranquilidade para os projetos que conduzo com meu time. Um Lexotan, que por vezes me escapa quando quase estrangulo alguns fornecedores de TI que me tiram do sério.

A verdade é que fica muito mais prático, principalmente para viagens. Não influencia em nada a qualidade do serviço prestado. Cria um ambiente mais leve para as relações de trabalho.

Porém, a verdade “verdadeira” por trás de tanto mistério é o fato de que, ao longo destes últimos trinta e cinco anos de estrada, uma certa calosidade frontal foi surgindo na área do abdômen e nada como uma camiseta preta XGG para, como num passe de mágica, disfarçar esse ganho gastro-cultural.

Isto posto, voltemos ao início de tudo, o incidente do terno no Salão Oval do time cenoura.

Passemos os olhos na sociedade e nos concentremos naqueles circunspectos senhores com seus ternos, impecáveis ou não, alguns com pinta do João Ratão, aquele que caiu na panela de feijão. São presidentes, ditadores, deputados, senadores, banqueiros, empresários, consultores, conselheiros, advogados, juristas e outros notórios cidadãos.

Quanto um terno acrescenta a essas figuras de humanidade, ética, empatia, honestidade, competência, civilidade, sensibilidade ?

Uma porcaria de um terno não é roupa de super herói que investe o seu detentor daquilo que mais precisamos, amor e compreensão para com o próximo.

Salve a camiseta! Preta!

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