Em 1980, Charly Garcia tinha 29 anos e já era a figura mais importante do rock argentino. Naquele ano, com o Serú Giran, lançou o disco “Bicicleta”, bem rock progressivo da época, onde incluiu “A los jóvenes de ayer”, uma canção que observava a geração anterior com uma mistura de ironia, admiração e alerta.

Garcia via aqueles homens mais velhos como bêbados na esquina de algum tango, bem vestidos com seus topetes, beijando-se o tempo todo e chorando o passado como velhas em matinê. Mas havia algo mais: “Olhem-nos, olhem-nos, estão tramando algo / Pícaros, pícaros, talvez pretendam o poder / Cuidado com eles, cuidado com eles, parecem inofensivos”. Os jovens de ontem eram, ao mesmo tempo, relíquias patéticas e ameaças veladas. Representavam grandes valores do passado, mas Garcia os via como eternos, os que sempre aparecem na TV, ocupando espaços que talvez não lhes pertencessem mais.

Quarenta e cinco anos depois, a pergunta se impõe: o que millennials e a geração Z diriam sobre essa visão? Mais importante ainda: como os mais velhos de hoje se sentiriam ao ouvir essa música?

A resposta é desconfortável. Muitos de nós, 50+, 60+, nos tornamos exatamente o que Garcia retratava. Menos pelos topetes ou pelo choro nostálgico, mas pela forma como ocupamos espaços enquanto fingimos que o tempo não passou. Pelos bronzeados de domingos em família e caras de quermesse, insistindo que ainda somos relevantes não pelo que construímos, mas por quem fomos.

O etarismo que Garcia exercia era o óbvio: os mais novos olhando os mais velhos como obstáculos pitorescos ao futuro. Mas há outra camada nessa equação. Os “jovens de ontem” de Garcia se agarravam ao poder justamente porque não conseguiam aceitar que o tempo havia passado. Não ofereciam sabedoria ou ponte geracional, apenas ofereciam nostalgia performática.

É esse o etarismo mais perigoso: aquele que praticamos contra nós mesmos quando nos recusamos a ser quem somos na idade que temos. Quando ocupamos espaços sem agregar valor, apenas por direito adquirido. Quando choramos o passado em vez de construir com o presente. Quando somos “como inofensivos”, mas na verdade estamos impedindo que outros avancem.

O mercado corporativo moderno inverteu parcialmente esse jogo. Agora, quem ocupa os espaços centrais muitas vezes são os mais jovens, celebrando metodologias ágeis e frameworks que mudam a cada estação. Os mais velhos viraram os bêbados na esquina do tango, descartados como legado obsoleto. O etarismo mudou de direção, mas não de essência.

A questão não é quem deve ocupar os espaços, se serão os  jovens ou os velhos. A questão é o que cada geração oferece quando está lá. Garcia, aos 29, já era um gênio consolidado. Tinha o que dizer e a habilidade para dizê-lo. Os “jovens de ontem” que ele retratava talvez não tivessem mais nada a oferecer além de pose e poder residual.

Mas e se tivessem? E se, em vez de chorar o passado, oferecessem contexto? Se, em vez de insistir em metodologias antigas, as traduzissem para novas linguagens? Se, em vez de bloquear portas, construíssem pontes?

O etarismo (qualquer etarismo) empobrece a todos. Quando os mais novos descartam os mais velhos como irrelevantes por princípio, perdem décadas de conhecimento acumulado. Quando os mais velhos se agarram ao poder sem agregar valor, roubam oxigênio das inovações necessárias. Quando qualquer geração finge que só ela importa, o resultado é sempre mediocridade coletiva.

Garcia tinha razão ao observar criticamente sua geração anterior. Mas também estava errado ao reduzi-los a caricaturas nostálgicas. A verdade é que toda geração carrega tanto o peso de seus vícios quanto a força de suas conquistas. O desafio está em saber quando oferecer cada um.

Hoje, aquele Garcia de 29 anos tem 73. Continua criando, provocando, sendo relevante. E não é por fingir  que ainda tenha 29, mas porque nunca parou de ter algo a dizer. Não é um jovem de ontem tentando ser jovem de hoje. É simplesmente Charly Garcia, na idade que tem, com tudo que acumulou.

Talvez essa seja a única forma de escapar da armadilha que ele mesmo denunciou: não ser o jovem de sempre, mas ser inteiro em cada fase. Sem chorar o passado, sem negar o presente, sem bloquear o futuro. Apenas contribuindo com o que só você, com sua história específica, pode oferecer.

Os grandes valores não pertencem ao ontem nem ao hoje. Pertencem a quem os pratica, independentemente de quando nasceu.

A los jóvenes de ayer

A simple vista puedes ver
Como borrachos en la esquina de algun tango
A los jóvenes de ayer

Empilchan bien, usan tupé
Se besan todo el tiempo y lloran el pasado
Como vieja en matinee

Miralos, miralos, están tramando algo
Pícaros, pícaros, quizás pretenden el poder
Cuídalos, cuídalos, son como inofensivos
Dígalos, dígalos
Son nuestros nuevos Dorian Grey

En un remis en SADAIC
Con sus bronceados de domingos familiares
Y sus caras de kermesse

Grandes valores del ayer
Serán los jóvenes de siempre
Los eternos, los que salen por TV

A gravação original (com um belíssimo instrumental durante a primeira parte), pode ser ouvida em

Das gravações mais recentes, a que me agrada mais é a do La Chicana

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