Vivemos um momento de profunda transformação demográfica, onde a narrativa predominante em torno do envelhecimento populacional muitas vezes se inclina para o pessimismo. Fala-se em catástrofe iminente: taxas de natalidade em declínio, populações encolhendo, e o aumento da expectativa de vida elevando os custos de aposentadorias e cuidados com idosos, com um número proporcionalmente menor de trabalhadores para arcar com essas despesas. É uma visão que, embora contenha elementos de verdade, é incompleta e excessivamente alarmista.

Sim, a realidade é que uma fatia crescente da população mundial está acima dos 65 anos. Nas próximas cinco décadas, o percentual deve aumentar ainda mais. Países como Japão e China já experimentam um declínio populacional e um aumento significativo na idade média. A Europa segue um caminho semelhante, e o Brasil, apesar da percepção de país jovem, também vivencia um acelerado processo de envelhecimento populacional, com projeções indicando um aumento substancial na proporção de idosos. Contudo, enxergar o cenário apenas como um problema é perder a perspectiva de uma das maiores conquistas do século XX: a capacidade de prolongar a vida humana de forma saudável. Isso não é um fardo, é uma oportunidade sem precedentes.

Deveríamos abandonar a visão unilateral de que uma sociedade envelhecida é sinônimo de estagnação. Pelo contrário, a combinação de mais pessoas vivendo por mais tempo e a crescente probabilidade de que esses indivíduos mais velhos continuem ativos no mercado de trabalho os torna um motor essencial para o dinamismo econômico. Na Europa, por exemplo, mais de 90% do aumento de trabalhadores na última década veio de pessoas com mais de 50 anos, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Japão, a proporção é ainda maior, evidenciando que trabalhadores mais experientes são um impulsionador fundamental do crescimento do PIB. Mas e o Brasil?

Este fenômeno aponta para o que podemos e devemos cultivar: o dividendo da longevidade. Para colhê-lo plenamente, precisamos reformular nossa abordagem ao envelhecimento em duas frentes. Primeiro, parar de tratar o envelhecimento como um problema a ser contido e, sim, reconhecê-lo como uma conquista e uma oportunidade de alavancar o capital humano. Segundo, desviar o foco de uma impraticável tentativa de mudar o comportamento individual para preservar sistemas arcaicos e, em vez disso, concentrar-nos em adaptar nossos sistemas de saúde, educação, trabalho e finanças para apoiar indivíduos em suas vidas mais longas e produtivas.

A longevidade atual implica que mais pessoas viverão entre os 60 e 90 anos, uma faixa etária que, no século passado, não predominava. Se não adaptarmos nossos sistemas, os custos de aposentadorias e saúde se tornarão insustentáveis, um entrave para as economias. A solução não está em medidas paliativas, como tentar elevar as taxas de natalidade ou depender massivamente da imigração, que, embora possam ter algum efeito, não abordam o centro do desafio: como nos adaptamos a vidas mais longas. A verdadeira resposta está em investir no capital humano e social dos nossos anos mais avançados.

Um desafio inerente à maior expectativa de vida tem sido a “expansão dos anos vividos com doenças e enfermidades”. Ou seja, vivemos mais, mas nem sempre mais saudáveis. A carga de doenças mudou das infecciosas para as crônicas não transmissíveis, o que significa que o sistema de saúde atual, focado predominantemente no tratamento de doenças agudas, corre o risco de nos manter vivos, mas em condições precárias e a um custo exorbitante. No século XX, adicionamos anos à vida. No século XXI, a missão é adicionar vida a esses anos extras.

Isso exige uma mudança radical para a prevenção e a manutenção da saúde. Três fatores tornam essa mudança viável e desejável: a certeza de que a maioria das pessoas desenvolverá doenças crônicas com a longevidade; a capacidade de realizar intervenções direcionadas através de dados genéticos e de risco estrutural, que conectam a saúde à redução da pobreza; e os avanços na biologia. O impacto dramático de novas classes de medicamentos, como os agonistas de GLP-1 (a exemplo de Ozempic e Wegovy) e os duais agonistas de GLP-1/GIP (como Mounjaro, com seu princípio ativo tirzepatida), demonstra o potencial de terapias inovadoras para adiar a incidência de múltiplas doenças. Investimentos em ciências da vida e biofármacos são fundamentais para o desenvolvimento dessas soluções preventivas.

A transição para uma abordagem focada na prevenção da saúde requer uma perspectiva de “curso de vida”, começando na infância, com a expectativa de vida saudável se tornando uma métrica fundamental na alocação de recursos. O financiamento é um desafio, mas a inovação, desde a robótica e a inteligência artificial para cuidados personalizados e prevenção, até novos modelos de financiamento como os títulos de impacto social, oferece caminhos.

Além disso, é fundamental ir além do setor da saúde, envolvendo empresas, governos em todos os níveis, comunidades e setores como o de alimentos e habitação. É essencial colocarmos em prática políticas que incentivam hábitos saudáveis e combatem desigualdades socioeconômicas. Em um mundo com populações em declínio, a inclusão plena e o apoio a cada indivíduo para que dê sua contribuição máxima farão cada vez mais sentido econômico.

No que diz respeito ao mercado de trabalho, a realidade da participação dos 50+ é um ponto crítico. Embora na Europa muitos indivíduos com cerca de 50 anos ainda estejam ativos, a participação tende a cair drasticamente após os 60. No Brasil, essa dinâmica não é diferente; muitos profissionais acima dos 50 enfrentam barreiras significativas para a recolocação ou para a permanência no mercado, mesmo com saúde e disposição para contribuir. Aumentar a idade de aposentadoria, embora seja uma medida fiscal, não resolve o desafio fundamental de manter as pessoas engajadas produtivamente por mais tempo.

Existe um preconceito sem sentido, uma espécie de etarismo velado ou explícito, que associa a idade a uma suposta obsolescência ou menor capacidade produtiva. No entanto, essa percepção ignora a realidade de que hoje muitas pessoas com 50, 60 anos ou mais gozam de excelente saúde e possuem uma capacidade cognitiva e física robusta, aptas a absorver atividades que há meio século atrás seriam impensáveis para essa faixa etária. O que essas gerações trazem é um capital inestimável de experiência, sabedoria e resiliência, forjado ao longo de décadas de atuação profissional e pessoal.

Mais do que exigir que as empresas se adaptem, o foco deve ser em incentivar a criação de ambientes e oportunidades que valorizem a maturidade e o vasto repertório dessas gerações. Assim, além de mantê-los ativos economicamente, estaremos dando mais sentido à longevidade, ao permitir que a experiência e a sabedoria dos 50+ continuem gerando resultados concretos e valiosos para a sociedade e para as organizações.

Isso demanda políticas que auxiliem na requalificação e transição para novas ocupações ao longo da vida, além de leis rigorosas contra a discriminação por idade. Essas políticas não só impulsionam o emprego, mas também garantem um contrato social mais justo, adaptado à realidade de vidas mais longas.

A demografia não é um destino imutável. A ideia de que o envelhecimento nos condenará a viver mais tempo do que nossa saúde, riqueza, relacionamentos ou senso de propósito é uma aceitação passiva que devemos rejeitar. Assim como o poeta galês Dylan Thomas nos incitou a “não entrar gentilmente naquele boa noite”, devemos lutar contra a ideia de que a demografia é nosso destino. Aqui vale um parêntese: a frase é uma poderosa metáfora sobre resistência e não conformismo. No poema original, Thomas incita seu pai a lutar vigorosamente contra a morte e a não aceitá-la passivamente. É um chamado para enfrentar o inevitável com paixão, fúria e vitalidade, em vez de se render silenciosamente.

A maneira como envelhecemos pode e deve ser influenciada por ações individuais e, principalmente, por políticas governamentais visionárias. Ao priorizar a adaptação e o ajuste a vidas mais longas, temos a capacidade de gerar um dividendo tridimensional de longevidade: vidas não apenas mais longas, mas mais saudáveis e, fundamentalmente, mais produtivas. Nosso futuro exige que abracemos essa oportunidade com inteligência estratégica e ação executiva.

Não perca nada: assine nossa newsletter!

Receba histórias inspiradoras, dicas práticas e novidades exclusivas direto na sua caixa de entrada. Junte-se à conversa!

plugins premium WordPress

Menu