Oscar Wilde publicou O retrato de Dorian Gray em 1890. Dorian, um jovem da alta sociedade inglesa, tem sua beleza eternizada em uma pintura de Basil Hallward. Sob a influência de Lord Henry, um Mefistófeles vitoriano, Dorian faz um pacto implícito: que o retrato envelheça em seu lugar enquanto ele permanece jovem para sempre.

A história termina como deveria: Dorian, ao tentar destruir a pintura que guardava todas as marcas de sua degradação moral e física, troca de lugar com ela. Morre instantaneamente, transformado em um velho monstruoso, enquanto o retrato recupera sua beleza original.

O desejo pela juventude eterna atravessa milênios. De Gilgamesh à fonte de Ponce de Leon, do Fausto de Goethe ao Dorian Gray de Wilde, a humanidade sempre sonhou em deter o tempo. Hoje, trocamos as lendas por suplementos milagrosos, procedimentos estéticos e promessas da química da longevidade. Alguns bilionários apostam na criogenia, esperando acordar em um futuro onde a morte tenha sido derrotada.

Mas há um etarismo mais sutil operando aqui. Não apenas o preconceito que os mais novos dirigem aos mais velhos, esse é óbvio e documentado. Falo do etarismo que dirigimos contra nós mesmos.

Quantas vezes dizemos que “os 60 são os novos 40”? Quantas vezes nos vangloriamos de estar “jovens no espírito”? Cada vez que fazemos isso, estamos esfaqueando nosso próprio retrato. Estamos dizendo que nossa idade real é um problema a ser negado, uma vergonha a ser escondida.

Participei recentemente de uma discussão sobre branding de uma instituição que tem mais de 60 anos de existência. O debate girava em torno de modernização: será que deveríamos parecer mais jovens, mais dinâmicos, mais ágeis? Um participante foi direto: “Deveríamos reforçar aquilo que nos tornou relevantes, não fingir que somos moderninhos. Nossas qualidades continuam atraindo pessoas.”

A questão é central: quais são os pontos fortes das nossas marcas pessoais? Por que insistimos em escondê-los sob camadas de negação etária?

Dorian Gray morreu porque não suportava ver o reflexo verdadeiro de quem havia se tornado. Nós, 50+, 60+, fazemos algo parecido quando nos recusamos a valorizar a sabedoria acumulada, a profundidade de experiência, a capacidade de contextualização que só o tempo proporciona. Queremos ser o retrato eternamente jovem, não a pessoa que amadurece e se aprofunda.

O mercado corporativo reforça essa armadilha. Valoriza a velocidade sobre a precisão, a novidade sobre a consistência, a energia sobre a estratégia. Como se fossem qualidades excludentes. Como se um desenvolvedor de 62 anos não pudesse dominar um código legado que os mais novos temem enfrentar. Como se um profissional experiente não pudesse aprender frameworks novos enquanto ensina lições que nenhum bootcamp oferece.

O etarismo que enfrentamos começa em nós mesmos. Cada vez que dizemos “ainda consigo fazer isso”, o advérbio “ainda” carrega a suposição de que não deveríamos. Cada vez que nos surpreendemos com nossa própria capacidade, reforçamos o preconceito que nos diminui.

Oscar Wilde sabia que o horror de Dorian Gray não estava no envelhecimento do retrato, mas na recusa do personagem em aceitar sua própria humanidade. A degradação não estava nas rugas, mas na negação da verdade.

Talvez seja hora de parar de esfaquear nossos próprios retratos. De reconhecer que a experiência não é desculpa, é diferencial. Que o tempo não nos diminui, nos expande. Que podemos ser exatamente quem somos, na idade que temos, com as competências que acumulamos, sem fingir que os anos não passaram ou que passar dos anos seja motivo de vergonha.

A verdadeira juventude não está em negar o tempo, mas em continuar aprendendo, criando e contribuindo. Não “apesar da idade”, mas com tudo que ela construiu.

A imagem é uma representação da obra de arte “O Retrato de Dorian Gray”, criada por Ivan Albright para o filme de 1945 com o mesmo nome. 

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