Nascer é uma possibilidade. Viver é um risco. Envelhecer é um privilégio!”

Mário Quintana

Vivemos tempos de contradições profundas. No mesmo instante em que celebramos a longevidade, somos esmagados por seu peso. Somos a “Geração Sanduíche”, termo que foi criado nos Estados Unidos em 1981 pelas assistentes sociais Dorothy Miller e Elaine Brody. Ele descreve a situação de adultos que se veem “espremidos” entre a dupla responsabilidade de cuidar dos seus pais que, alcançam idades antes impensáveis e a dedicação necessária a filhos que, seja pela extensão da juventude ou pelas pressões econômicas atuais, permanecem em casa demandando apoio, orientação e, não raro, sustento.

Eu faço parte da “Geração Sanduíche”. De um lado, tenho a responsabilidade crescente de acompanhar o envelhecimento dos meus pais com uma enorme demanda de cuidados. Do outro, a atenção especial que dedico aos meus dois filhos (também sou mãe de dois filhos adultos) que vivem comigo: uma filha na adolescência e um filho autista, que requerem todo o meu suporte, paciência e orientação. São dois polos de amor e cuidado que, não raro, disputam minha atenção e me colocam à prova todos os dias.

A pressão de duas jornadas

A “Geração Sanduíche”, majoritariamente entre os 40 e 60 anos, está no ápice de sua carreira e vida pessoal, mas se vê dividida entre reuniões importantes e consultas médicas, entre a escola dos filhos e a medicação dos pais.

A sensação é a de uma sobrecarga constante e silenciosa. Enquanto tentamos manter o equilíbrio, somos consumidos por uma culpa dupla: a de não ser um filho/filha suficientemente presente e a de não ser um pai/mãe suficientemente disponível.

No passado, o ciclo de vida era mais previsível. Os pais partiam mais cedo, e os filhos alcançavam a independência mais rapidamente. Hoje, com os avanços sociais das últimas décadas no Brasil , como a melhoria geral das condições de vida, o maior acesso à saúde e a itens essenciais, presentearam a população com uma maior longevidade. No entanto, sem uma estrutura social robusta, esse presente se transformou em um imenso desafio para muitos filhos.

De repente, nos vemos no papel de cuidadores daqueles que um dia nos embalaram nos braços e nos guiaram pelos caminhos da vida. É uma inversão de papéis profundamente dolorosa e complexa.

Além do amor: o custo financeiro do cuidado

Cuidar de uma criança, por mais desafiador que seja, é um investimento em um futuro cheio de potencial. Cuidar de um idoso em declínio, no entanto, é um gesto de amor que frequentemente envolve um custo financeiro exorbitante e emocionalmente drenante. Planos de saúde, medicamentos, adaptações na casa (como rampas e barras de apoio), fraldas geriátricas e, em muitos casos, a contratação de cuidadores profissionais são despesas que surgem de forma abrupta.

Aqui, a desigualdade social se escancara. Para famílias com maior poder aquisitivo, é possível terceirizar parte dessa carga, contratando redes de apoio. Mas e para a grande maioria dos brasileiros? A conta recai quase que integralmente sobre os ombros da família, quase sempre sobre os ombros de uma filha ou nora, evidenciando que a carga de trabalho doméstico e emocional ainda é profundamente desigual entre gêneros.

Um desafio nacional iminente

O Brasil envelhece em um ritmo acelerado. Conforme dados do IBGE, em 2030, o país terá a quinta população mais idosa do mundo, um marco histórico em que o número de idosos superará o de crianças. Até 2050, estima-se que cerca de 30% dos brasileiros terão mais de 60 anos.

Este não é um problema individual ou familiar; é um desafio de saúde pública. Cabe aos governos (federal, estadual e municipal) a criação urgente de políticas públicas eficientes. Precisamos de mais CASI (Centro de Atenção à Saúde do Idoso), programas de apoio domiciliar, capacitação de cuidadores, e uma valorização do SUS para garantir tratamentos dignos àqueles que foram a mão de obra que construiu este país. Ignorar essa realidade é assinar uma sentença de colapso para as famílias e para o próprio sistema.

Como sobreviver à pressão? Buscando alívio no cuidado próprio

Diante de um cenário tão avassalador, o que podemos fazer para preservar nossa sanidade física e mental?

1. Divida a responsabilidade

Você não é uma ilha. Convoque familiares para uma reunião e distribua as tarefas. Um pode ficar responsável pelas finanças, outro pelas consultas, outro pelas compras. A solução não é carregar o fardo sozinho.

2. Busque redes de apoio

Converse com outros membros da “geração sanduíche”. Grupos de apoio online ou presenciais podem ser uma fonte inestimável de conselhos práticos e validação emocional.

3. Conheça seus direitos

Informe-se sobre benefícios disponíveis, como o BPC-LOAS, e sobre os serviços oferecidos pelo poder público para a terceira idade.

4. Estabeleça limites

Aprender a dizer “não” e a delegar não é um ato de egoísmo, mas de sobrevivência. Você não pode cuidar de ninguém se estiver esgotado.

5. Priorize o autocuidado

Soa clichê, mas é vital. Reserve momentos, mesmo que curtos, exclusivamente para você. Uma caminhada, uma leitura, uma sessão de terapia. Cuidar de si não é um luxo; é uma estratégia de manutenção para que você possa continuar cuidando dos outros.

Ser da “Geração Sanduíche “é um ato de amor, mas é preciso reconhecer que  é também um desafio. Falar abertamente sobre esse esgotamento é o primeiro passo para transformar o peso solitário em uma responsabilidade compartilhada, buscando, individual e coletivamente, alívio e equilíbrio para uma das jornadas mais desafiadoras do nosso tempo.

Envelhecer é, de fato, um privilégio. E é a própria “Geração Sanduíche” que com suas mãos e coração, cuida para que esse processo se desdobre com a dignidade, a felicidade e a segurança que toda vida merece. No presente, eles constroem o alicerce do que um dia será o seu próprio futuro e o de todos nós.

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