“Se você não soubesse a idade que tem, que idade você teria?”
– Confúcio
É com essa pergunta milenar que costumo iniciar conversas sobre gerações: por que classificá-las? Como podemos criar conexões entre elas? E por que é urgente construirmos pontes no lugar de muros entre pessoas de todas as idades?
Estamos vivendo a Revolução Transetária — termo que cunhei em 2016 para nomear um novo tempo, que contorna e reinventa um mundo sem idade. Transetários são aqueles que não se sentem limitados pelas faixas etárias e pelas classificações geracionais — como eu — e, acredito, como muitos de vocês que estão lendo este texto.
Comecei a me incomodar com essa imposição etária que a cartilha industrial me lançou ao chegar aos “sessentas”. Nunca me senti tendo a idade que tenho. Às vezes me sinto tão leve, curiosa e florescente quanto uma garota de 20 anos. Sou também criança quando embarco na montanha-russa com meus netos. De repente, alguém me oferece o lugar no metrô ou lembro que posso embarcar na fila preferencial do aeroporto. Tem momentos em que a bagagem de vida me conecta a histórias vividas e saberes guardados — e aí me sinto uma “sábia anciã”. Como se eu tivesse todas as idades em mim, como dizia Cora Coralina, que publicou seu primeiro livro de poesias aos 75.
Vivemos uma era em que a idade subjetiva (aquela com a qual você se sente) vem ganhando cada vez mais espaço sobre a idade objetiva (aquela registrada na certidão de nascimento). Nosso tempo de vida deixou de ser linear para se tornar fluido, transformando a forma como vivemos, nos relacionamos e, principalmente, como nos projetamos diante do futuro.
Algo inédito já começou: somos sete gerações convivendo nas casas, nas cidades, nas escolas, no trabalho. Três fenômenos principais estão derrubando muros e estabelecendo vínculos criativos entre pessoas de todas as idades:
- Hiperlongevidade – convivemos juntos por mais tempo: há quem possa viver até os 150 anos.
- Revolução digital – uma criança e um idoso jogando Minecraft juntos, interagindo na mesma experiência.
- Subjetividade pós-moderna – identidades fluidas rompem classificações cronológicas e biológicas. Passamos a nos definir mais por como nos sentimos do que pelo ano em que nascemos.
No estudo “Futuros Intergeracionais” que conduzi em 2019 junto com a pesquisadora Oriana White, identificamos que a percepção de idade é subjetiva e situacional: depende do contexto, das pessoas com quem estamos e da atividade que realizamos. Descobrimos também que, na relação com o futuro, existem mais convergências do que diferenças entre as gerações. Concluímos, portanto, que não faz mais sentido dar foco ao que nos separa, mas sim valorizar o que nos convoca coletivamente a criar soluções para o bem comum.
O mito geracional
Neste mundo sem idade, em que ideias e sentimentos se impõem sobre o tempo, rotular pessoas com letrinhas ou números perde o sentido. Insistir em divisões geracionais rígidas se torna limitante — e contraproducente.
Como alerta Bobby Duffy, autor do livro The Generation Myth:
“Estamos incentivando, sem perceber, um tipo de etarismo ao perpetuar a ideia de que só os jovens se importam com o futuro. Isso é um mito — e é autodestrutivo.”
Duffy demonstra que há mais variação dentro das gerações do que entre elas — e que fatores como classe social, etnia, contexto político e acesso à tecnologia moldam muito mais os comportamentos do que o ano de nascimento. Ao segmentar pessoas em caixinhas como “millennials”, “boomers” ou “Geração Z”, corremos o risco de reforçar estereótipos infundados e perpetuar divisões artificiais.
Estamos saindo das caixinhas
O conceito das gerações X, Y, Z, Alpha e Beta nunca teve um consenso acadêmico sólido. Essas divisões foram, na verdade, muito mais úteis ao marketing do que à sociologia. Um artigo publicado na revista The New Yorker — “It’s Time to Stop Talking About Generations” (2021) — questiona justamente essas categorias, que promovem estereótipos simplistas e reducionistas. Já o New York Times vai direto ao ponto: “Faz sentido categorizar pessoas por geração?” A resposta? Cada vez mais, não.
Algumas empresas já começam a despertar para essa nova realidade, passando a desenvolver produtos e experiências intergeracionais, reconhecendo que as afinidades estão muito mais ligadas a valores, interesses e propósitos do que a datas de nascimento.
O Movimento Pangera: um mundo sem idade
Somos a somatória de nossas experiências — não de nossos anos. Foi com essa certeza que nasceu o movimento Pangera (Pan = todos, Gera = gerações), que criei junto com Wellington Porto e Ronaldo Rissetto em 2017. Um convite a ressignificar o tempo e as relações. Temos um manifesto, que você pode assistir aqui: Manifesto Pangera – YouTube
O mundo pode até tentar nos rotular, mas nossa essência é leve, viva, dançante. Por dentro, somos feitos de memórias, desejos, afetos — não de números. A Revolução Transetária também é sobre beleza, dignidade e o resgate da potência da vida em todas as suas fases.
O que propomos com o Pangera é uma nova chance de reorganizar nossa ampulheta interior, com novas possibilidades de convivência em que:
- Crianças ensinam adultos e vice-versa;
- Idosos inovam no mundo digital;
- As linhas do tempo se cruzam, se entrelaçam, se inspiram;
- Ideias são turbinadas por experiências que se ampliam e sonhos que se fortalecem.
Queremos construir futuros que nos acolham a todos. Somos todos passageiros do tempo — e responsáveis pelo porvir.
É uma alegria escrever este texto em sintonia com um passageiro do tempo que muito admiro: Fabio Betti, cocriador do movimento Age-Free World, junto com Fernando Blanco. Eles se somam a Pangera para trazer ao mundo o valor das relações intergeracionais — e transformar o etarismo em libertação.