“Up the road, in his shack, the old man was sleeping again. He was still sleeping on his face and the boy was sitting by him watching him. The old man was dreaming about the lions.”[1]

Ernest Hemingway

Santiago, sessenta e dois anos, há oitenta e quatro dias não conseguia uma entrevista que passasse da primeira fase. Os recrutadores mais jovens, com seus algoritmos de seleção e palavras-chave, diziam que ele estava desatualizado, como um pescador que insiste em usar anzóis enferrujados quando todos já migraram para as redes de arrasto digital.

“Você precisa se reinventar”, diziam-lhe, como se quase cinco décadas de experiência pudessem ser descartadas como escamas velhas. Santiago conhecia cada linha de código como um pescador conhece as correntes: onde o bug se esconde, quando a memória vaza, por que o sistema trava nas madrugadas de lua cheia.

Marina, sua antiga estagiária, agora gerente aos vinte e sete anos, encontrou-o no LinkedIn como quem encontra um náufrago. “Tenho uma vaga, Santiago. É júnior, mas…” Ele aceitou. Oitenta e quatro dias sem morder a isca ensinam humildade até aos mais orgulhosos.

No primeiro dia, Santiago sentou-se entre desenvolvedores que poderiam ser seus netos. Eles o olhavam com a mesma condescendência piedosa reservada aos barcos antigos no porto, relíquias românticas de um tempo que ninguém quer de volta. Falavam rápido sobre frameworks que mudavam a cada maré, metodologias ágeis que prometiam pescar mais com menos esforço.

“O velho não vai aguentar o sprint”, sussurrou um deles, achando que Santiago não dominava o inglês das dailies.

Mas então veio o sistema legado. Um código de vinte anos, entrelaçado como algas no casco de um navio abandonado. Os jovens recuaram. Era grande demais, complexo demais, antigo demais. Como um marlim gigante que ninguém ousava enfrentar.

Santiago mergulhou. Suas mãos, que eles achavam lentas nos atalhos do teclado, navegavam por aquela arquitetura como quem volta para casa. Linha por linha, ele foi domando o monstro, traduzindo dialetos obsoletos, costurando as brechas que ameaçavam afundar toda a operação.

Por três dias e três noites, Santiago lutou com o código. Os jovens se revezavam para observá-lo, primeiro com ceticismo, depois com curiosidade, por fim com algo próximo ao respeito. Marina trouxe café. Os desenvolvedores mais novos começaram a fazer perguntas.

Quando finalmente compilou sem erros, Santiago estava exausto mas sereno. Tinha provado que ainda sabia pescar. Mas ao apresentar a solução, a diretoria decidiu: iriam descartar todo o sistema e comprar uma solução pronta. Mais moderna. Mais jovem.

“Você fez um trabalho incrível”, disse Marina, “mas…”

Santiago compreendeu. No mercado, como no mar, nem sempre você volta com o peixe inteiro. Às vezes, os tubarões levam pedaços. Às vezes, levam tudo, deixando apenas a carcaça como prova de que um dia você foi capaz de fisgar algo grandioso.

Ao sair, o desenvolvedor mais jovem, aquele que duvidara dele, aproximou-se: “Me ensina a pescar nesses mares profundos?” Santiago sorriu. Um pescador de verdade sempre reconhece outro, não importa a idade. O mar é grande o suficiente para todos, desde que respeitem suas profundezas e aprendam uns com os outros.

Naquela noite, Santiago lembrou-se de que nada poderia apagar os anos de experiência nem desinflar as suas competências. Apenas concluiu: “Sei pescar em águas profundas e ensinar quem quer aprender.”

O mar corporativo continuava revolto, hostil aos muito velhos e aos muito jovens, como se a experiência e a inovação fossem peixes que não pudessem nadar juntos. Mas Santiago sabia: em algum lugar, havia um cardume esperando por pescadores que entendessem tanto das marés antigas quanto dos ventos novos.

Amanhã, ele voltaria a lançar suas linhas.

Como na história de Hemingway, a verdadeira vitória não está em dominar o marlim ou o código, mas em manter a dignidade e a capacidade de transmitir conhecimento, mesmo quando o mercado, como o mar, parece conspirar contra aqueles que considera velhos demais ou jovens demais. O etarismo, seja contra qual geração for, empobrece as águas onde todos precisamos pescar.


[1] Mais acima da rua, em seu barraco, o velho dormia novamente. Ele ainda dormia de bruços e o menino estava sentado ao lado dele, observando-o. O velho sonhava com os leões.

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