Você já abriu o Instagram ou o TikTok “só para dar uma olhadinha” e, quando percebeu, lá se foram 40 minutos? Pois é, isso não acontece por acaso. As redes sociais são projetadas para manter nossa atenção o maior tempo possível, e o principal truque usado para isso é a dopamina – o famoso neurotransmissor do prazer e da recompensa.
O design viciante das redes sociais não afeta apenas os jovens. Na verdade, a forma como diferentes gerações interagem com o digital pode influenciar sua percepção de mundo – no caso dos 50+, reforçar estereótipos de obsolescência ou exclusão digital. Será que estamos realmente no controle do nosso tempo de tela?
O que é dopamina e por que ela nos prende no feed?
A dopamina é um neurotransmissor associado ao prazer, à motivação e à recompensa. Sempre que recebemos uma notificação, um like ou vemos um vídeo curto que nos agrada, nosso cérebro libera um pouco dessa substância, nos proporcionando uma sensação momentânea de bem-estar. O problema é que esse efeito é passageiro, e o cérebro logo pede mais. Aí entra o design viciante das redes sociais: o scroll infinito e os vídeos curtos nos fazem buscar constantemente essa “microrrecompensa”, sem nem perceber que estamos presos em um ciclo.
No livro Nação Dopamina, a psiquiatra Dra. Anna Lembke explica como o excesso de estímulos prazerosos pode desregular nosso sistema de recompensa, nos tornando cada vez mais dependentes de doses frequentes de dopamina para sentir satisfação [1]. Esse princípio se aplica perfeitamente às redes sociais, onde a gratificação instantânea nos mantém engajados por longos períodos.
Já em Hooked, Nir Eyal detalha como as empresas de tecnologia projetam produtos para formar hábitos, tornando-nos usuários recorrentes. As redes sociais utilizam o chamado “ciclo do hábito”, combinando gatilhos, ações, recompensas variáveis e investimento pessoal para nos manter conectados por mais tempo [2].
Tempo médio de tela no Brasil
Os brasileiros estão entre os campeões mundiais em tempo de tela. Dados recentes mostram que no Brasil uma pessoa passa em média 9 horas e 32 minutos por dia em frente a telas (somando smartphones, computadores, TVs etc.) [3]. Para comparação, a média global é bem menor, em torno de 6 horas e 37 minutos diários, o que evidencia quão acima da média mundial está o consumo de mídia digital no Brasil. O levantamento coloca o Brasil como o 2º país no ranking mundial de tempo de tela, atrás apenas da África do Sul.
Há diferenças marcantes de tempo de tela entre faixas etárias. Em geral, usuários mais jovens tendem a passar mais tempo conectados do que os mais velhos. No Brasil, o uso intenso começa já na infância e adolescência – um estudo apontou que cerca de 70% dos jovens de 10 a 19 anos excedem duas horas diárias em frente a telas (acima do limite recomendado para essa faixa). Adultos jovens também permanecem online por longos períodos: globalmente, pessoas de 18 a 34 anos chegam a acumular aproximadamente 8,8 horas de tela por dia, enquanto entre aqueles com 65 anos ou mais a média é de cerca de 5,2 horas [4]. Essa tendência global provavelmente se reflete no Brasil, indicando que millennials e geração Z lideram o consumo digital, enquanto faixas acima de 50-60 anos têm uso relativamente menor.
No entanto, essa análise precisa ser contextualizada no debate sobre etarismo digital. Muitas vezes, há uma percepção de que pessoas 50+ são “desconectadas” ou que têm dificuldade em lidar com tecnologia – o que nem sempre condiz com a realidade. O aumento do uso de redes sociais, internet banking e streaming nessa faixa etária demonstra que o envelhecimento não significa afastamento do digital, mas sim uma relação diferente com a tecnologia. Enquanto os mais jovens passam longas horas no consumo passivo de conteúdos rápidos e gamificados, adultos mais velhos tendem a usar as telas para finalidades mais objetivas: comunicação (WhatsApp é dominante entre esse grupo), acesso a notícias e entretenimento sob demanda.
Outro ponto importante é o impacto da cultura da hiperconectividade na percepção do envelhecimento. As redes sociais reforçam constantemente padrões de juventude e produtividade, criando um ambiente onde o envelhecimento pode ser visto como algo a ser evitado a todo custo. Isso se reflete no alto consumo de conteúdos sobre rejuvenescimento, produtividade extrema e estética – muitas vezes, induzindo comparações irreais e reforçando a pressão para que todas as idades sigam o mesmo ritmo acelerado de consumo digital. O paradoxo é que, ao mesmo tempo que o acesso digital para pessoas mais velhas cresce, a maneira como a idade é representada nas redes sociais ainda é marcada por estereótipos de obsolescência e desatualização.
Portanto, ao analisarmos o tempo de tela, é essencial considerar como diferentes gerações experimentam e são impactadas pela hiperconectividade. O problema não é apenas o excesso de dopamina, mas também o tipo de conteúdo que consumimos e como ele afeta nossa identidade e autoimagem ao longo da vida. Para além de contabilizar horas na frente de telas, vale questionar: o que estamos realmente absorvendo desse tempo digital?
O papel dos vídeos curtos nessa equação
Os vídeos curtos são a versão turbinada desse sistema. Eles entregam estímulos rápidos e intensos, um após o outro, sem exigir muito esforço mental. Cada vídeo novo é uma promessa de algo interessante, engraçado ou surpreendente, e o simples ato de deslizar para cima aciona o mecanismo de recompensa do cérebro. E quando um vídeo não nos agrada, basta pular para o próximo – sem tempo para o tédio, sem espaço para a reflexão.
Embora o TikTok e os vídeos curtos sejam mais populares entre os mais jovens, cada vez mais pessoas acima dos 50 anos estão entrando nesse looping. Muitos relatam que começaram ‘só para acompanhar os filhos ou netos’, mas acabaram sendo absorvidos pelo scroll infinito da plataforma. Além disso, os conteúdos direcionados a essa faixa etária nas redes sociais frequentemente reforçam estereótipos do envelhecimento, como o humor pautado em limitações físicas ou dificuldades com tecnologia.
Johann Hari, no livro Foco Roubado, argumenta que vivemos em uma era de distração extrema, onde nossa capacidade de atenção está sendo minada por sistemas que exploram nossa biologia para nos manter presos às telas [5]. Ele destaca que, ao treinar nosso cérebro para esperar recompensas instantâneas, ficamos menos aptos a nos concentrar em atividades que exigem esforço prolongado, como leitura profunda ou conversas significativas.
Por outro lado, em Indistraível, Nir Eyal propõe que a tecnologia não é o problema em si, mas sim como escolhemos usá-la. O autor sugere que, ao entendermos os gatilhos que nos fazem cair na armadilha da distração, podemos retomar o controle sobre nossa atenção e evitar o consumo passivo de conteúdo [6]. Eyal comenta que uma boa notícia é de que ser dependente é diferente de ser adicto. No capítulo Hack Back Your Smartphone, ele delineia maneiras para lidar com esse aparelho que acaba roubando nossa atenção através de gatilhos externos.
Como isso afeta nosso comportamento e percepção do mundo
O excesso de dopamina pode criar um efeito de tolerância: quanto mais consumimos esse tipo de conteúdo, mais difícil fica sentir satisfação com estímulos menos imediatos. Isso pode impactar nossa capacidade de foco, nossa paciência e até a maneira como lidamos com a vida real, onde as recompensas não chegam com um simples deslizar de dedo.
Além disso, a personalização dos algoritmos nos mantém em bolhas de conteúdo, reforçando nossas crenças e nos deixando menos abertos a novas perspectivas. O feed sabe exatamente o que queremos ver e entrega isso de bandeja – mas será que estamos realmente escolhendo o que consumimos?
No caso dos 50+, há uma camada extra de impacto: o envelhecimento em um mundo digitalizado muitas vezes traz a sensação de ‘ficar para trás’, como se a tecnologia avançasse rápido demais para acompanhar. Esse efeito é reforçado por redes sociais que promovem juventude eterna e produtividade extrema, criando uma pressão invisível para que as pessoas mais velhas se adaptem ou se sintam excluídas. Será que estamos consumindo conteúdo que nos informa e empodera, ou apenas reforçando a ideia de que envelhecer é sinônimo de perder relevância?
Como quebrar o ciclo sem precisar sair das redes
Não é necessário deletar seu perfil e se mudar para uma cabana no meio do mato (a menos que você queira!). Mas algumas estratégias simples podem ajudar a usar as redes sociais de forma mais consciente:
- Defina limites de tempo: Use recursos como o temporizador do próprio celular para evitar longos períodos de uso ininterrupto.
- Use a tecnologia a seu favor: Configurações de limite de uso de apps podem ajudar na moderação e o app One Sec pode ajudar no modo automático de querer abrir as redes sociais ou outros apps, parando alguns segundos antes de você abrir o aplicativo desejado
- Desative notificações de aplicativos que não agregam valor ao seu dia: reduza a exposição a conteúdos que reforcem padrões irreais.
- Consuma conteúdos mais longos: Se você só assiste vídeos de 30 segundos, tente incluir conteúdos mais extensos na rotina, como podcasts, artigos ou vídeos no YouTube (porém cuidado, pois também podem causar dependência algorítmica).
- Pratique o uso intencional: Em vez de abrir o Instagram por reflexo, estabeleça um propósito para cada acesso – seja ver notícias, acompanhar um criador específico ou interagir com amigos.
- Faça pausas sem telas: Pequenos intervalos sem estímulos digitais ajudam a restaurar a sensibilidade do cérebro às recompensas do mundo real.
- Crie blocos de tempo: Para evitar a constante checagem de e-mails, separe um tempo na agenda apenas para ler e agendar respostas de e-mail (e evite a resposta instantânea para quebrar esse ciclo de excesso de e-mails).
- Hackeie seu algoritmo: siga perfis que tragam representatividade e conteúdos construtivos sobre envelhecimento saudável e ativo.
O objetivo não é demonizar as redes sociais, mas entender que elas são projetadas para capturar nossa atenção – e cabe a nós decidir quando e como queremos usá-las. No fim das contas, a melhor ferramenta para lidar com o vício em dopamina não está no celular, mas na nossa própria consciência sobre o que nos faz bem de verdade.
E se a era digital veio para ficar, como podemos garantir que todas as idades se beneficiem dela sem cair no looping infinito da atenção? O envelhecimento digital precisa ser ativo, consciente e livre de rótulos. Afinal, estar online não significa apenas estar presente – significa escolher o que consumir e como isso impacta nossa identidade no mundo.
Referências
[1] LEMBKE, Anna. Nação Dopamina: Encontrando o equilíbrio na era do excesso. Vestígio, 2022.
[2] EYAL, Nir. Hooked: Como construir produtos e serviços formadores de hábito. Alta Books, 2019.
[3] O TEMPO Brasil. “Brasileiro gasta 9 horas por dia olhando o celular; veja ranking de países”.
[4] CONNEL, Adam. “23 Shocking Average Screen Time Statistics For 2025”.
[5] HARI, Johann. Foco Roubado: Por que você não consegue prestar atenção – e como pensar de novo. Companhia das Letras, 2022.
[6] EYAL, Nir. Indistraível: Como controlar sua atenção e escolher sua vida. Alta Books, 2020.